“Receio a morte?... No domingo em que Lajos veio ver-me pela última vez curei do medo de morrer.”
“ (…) estamos ligados aos nossos inimigos, e também eles não podem fugir de nós.”
“ Começo a acreditar que as grandes decisões fatais, que determinam o nosso destino, são muito menos conscientes do que, mais tarde, supomos, num olhar ao passado, em hora de rememoração.”
“Eu, ao tempo não via Lajos há vinte anos e julgava estar couraçada contra as recordações.”
“ – Lajos está de volta!”
“Nunu julgava saber tudo sobre mim. Talvez conhecesse, de facto, a verdade, essa verdade simples e definitiva que na vida velamos com tantos farrapos”
“Que mais poderia fazer? Ele foi o único homem que amei na minha vida.”
“Na noite em que esperávamos Lajos – eu sabia que o veria pela última vez na minha vida – demorei a adormecer: (…) e, antes do sono, li as velhas cartas de Lajos.”
“Nunu é a parente que, em casa, assumiu o papel de todos os parentes. Chegou há trinta e cinco anos (…). E aqui ficou (…).”
“Quando Vilma morreu, Lajos deu-me essa jóia, o anel da minha avó.”
“Tudo o que ele toca torna-se falso.”
“ quando Vilma morreu e se deu a ruptura entre nós, Lajos afastou-se do horizonte familiar. Então, regressei eu aqui, a esta casa e meu último refúgio. Nada me esperava, excepto uma cama e um pão seco. Mas quem chega de uma tormenta é feliz, pois tem um tecto por cima da cabeça.”
“ (…) a minha vida foi, efectivamente, «perigosa», próxima da de Lajos. (…) esse perigo era o único e verdadeiro sentido da minha vida.”
“Todos pertencíamos a ele, vivíamos em aliança contra ele, e, agora que se aproxima, outra vez vivemos de maneira mais agitada, mais perigosa”
“Lajos chegara e começava o dia (…) chegou com um verdadeiro séquito.”
“Quando alguém emerge do passado para anunciar, em voz comovida, que quer pôr «tudo» em ordem, só podemos lamentar e sorrir das suas intenções; o tempo já tudo «pôs em ordem», à sua maneira, da única maneira possível.”
“Eszter, preciso de falar contigo uma última vez na vida.”
“ «Vai perguntar-me, agora », pensei, «meu Deus, vai perguntar-me agora ». O quê? Talvez porque fui cobarde? Não, agora tenho de responder!» Respirei profundamente, e olhei-o, pronta a responder.
- Diz-me, Eszter – perguntava, agora, em tom íntimo e sereno -, esta casa está hipotecada?”
“Não devias ter ido embora Eszter. Claro que não era fácil estar ao lado do meu pai. Mas devias saber que só tu poderias ajudá-lo.”
“- Que cartas? – perguntei, surpreendida.
- As cartas, Eszter – disse, mais animada. – As cartas do pai (…)”
“ -Estiveram sempre ali na cómoda (…) sabes, na caixinha de pau-rosa.”
“Escreveu que esperava uma resposta tua até ao amanhecer.”
“Agora quando Éva falou dessas cartas desconhecidas, em tom apaixonado e acusador, lembrava-me subitamente da caixa de pau-rosa.(…) ofereceu-ma Lajos (…).”
“Vilma suplicara a caixa e eu dera-lha a contragosto, mas sem particular resistência (…).”
“- O pai disse que guardas a minha herança. A única coisa que ficou da minha mãe. Restitui-me o anel, Eszter. Agora, já. O anel ouviste?”
“- Limites! Limites interiores! Mas se a vida é ilimitada! Vê se compreendes.”
“Nunca fui eu a decidir as minhas acções. Afinal o homem só é responsável pelas suas intenções…A acção, o que é? É sempre uma espécie de surpresa arbitrária.”
“Uma mulher não pode ser toda a vida ama-seca da moral.”
“Agora já não faz sentido dizer-te estas coisas…mas talvez tenhas razão, não se pode estar calado uma vida inteira.”
“A lei do mundo dita que se deve terminar o que alguma vez se começou.”
“Nada chega a tempo, nunca a vida te deu nada, quando precisavas.”
“Sofremos longamente por essa desordem, por esse atraso.”
“Mas, um dia, percebemos que uma ordem maravilhosa e perfeita habitava em tudo…que duas pessoas não podem encontrar-se um dia antes, mas só quando estiverem maduras para esse encontro.”
“ O tempo tudo queima em nós, todas as mentiras”
“Resta que estás ligada a mim, que em vão fugiste (…)”
“Ali ficámos, esperando que a vela ardesse até ao fim, ou que se suspendesse o vento(…)”
“ (…) – Estou muito cansada. Tudo isto foi demasiado, como sabes. Gostaria de dormir. Nunu, minha querida, lê-me estas três cartas.”
“Então extinguiu-se a chama da vela. É a última coisa de que me lembro.”
“Pecado não é só o mal que cometemos. Pecado é também o que desejaríamos, mas que não temos forças para levar a cabo”
“O ar era doce e cheiroso, como se, algures tivessem deixado aberto um enorme frasco de compota”
“Nessa época, o mundo ainda não era feito a regua e esquadro, e , por um breve instante, tudo resplendia sob uma luz vivíssima, a Europa, a vida”
“Calou-se, longamente, reflectindo. Acendeu cigarros atrás de cigarros. Ao tempo, ele fumava cigarros ingleses, um tabaco opiáceo, cujo fumo me dava leves vertigens. Mas também esse cheiro fazia parte dele, como a fragrância de feno no armário da roupa, porque era assim que gostava, que a sua roupa cheirasse sempre a essa rude fragrância de feno inglesa.
De que pormenores se constrói um homem!”
“Sentei-me no jardim, o chá que resfriava, brilhava o sol. Já inquietas, grulhavam as aves. A Primavera chegava. Ocorreu-me que Lázár não gostava da Primavera, dizia ele que esta estação, cheia de eflúvios e fermentos, aumenta a acidez gástrica e compromete o equilíbrio da razão e das emoções... Era o que ele dizia. E, de súbito, veio-me à cabeça tudo sobre que falámos na noite anterior, há algumas horas, ao som da música e da fonte, rodeados pelo luxo arrogante daquela casa rica e álgida, imersos na tórrida fragrância do jardim de Inverno.
E, agora, rememorava tudo, como se o tivesse lido em qualquer lado.”
“ Fez tudo para aguentar. Você não imagina a coragem com que esse homem viveu os últimos anos. Teria sido possível vencer montanhas com a força com que ele quis sufocar tal recordação. Julgo saber bem tudo isso. Maravilhava-me, às vezes. Intentou a tarefa mais difícil que um ser humano pode empreender na vida. Sabe o que fez? Buscou substituir o sentimento pela razão.
É como se eu dissesse que alguém tentara convencer, com palavras e argumentos, um pedaço de dinamite a não explodir.”
“ De súbito, entrevê-se a estrutura da vida: figura que julgávamos importantes desaparecem pelo alçapão e, lá do fundo, emergem outras das quais, até então, nada sabíamos, e, subitamente, ao vê-las, apercebemo-nos de que as esperávamos, e que elas nos esperavam,
num destino comum...”
“ Assim ardia eu, como quando se deita, inadvertidamente, um fósforo aceso em sossegada casa de família.”
“ Sabes que os chapéus e lenços dos mortos envelhecem muito depressa, a partir do momento em que morre quem usava esses objectos... perdem a cor, como as folhas que caem das árvores perdem a cor da vida e o seu verde brilhante empalidece subitamente... Pelos vistos, cada homem é atravessado por uma corrente que se transmite a tudo o que lhe pertence, tal como a luz solar irradia sobre o mundo”
“Um engano maravilhoso, de que emerge tanto sofrimento, mas igualmente, esplendor: feitos heróicos, obras de arte, maravilhas do engenho humano. Tu, agora, vives nesse estado de espírito, sei. Apesar disso, queres que te conte?”
“um corpo, um só capaz de responder em perfeita harmonia a outro corpo, dissolvendo a sede do desejo e a náusea da insatisfação numa espécie de amena serenidade”
“ Concentrava-me toda num homem, sem tempo para me ocupar da humanidade. Depois, perdi esse homem e, em troca, recebi a humanidade. Julgas que se trata de uma troca pouco vantajosa?...
Não sei. Pode ser que tenhas razão.”
“Viste tu harmonia e paz?... Alguma vez, no Perú? Diz... Bem, é possível, talvez no Peru... Mas, aqui, em latitudes temperadas, esta flor maravilhosa não consegue eclodir.
Por vezes, distende as pétalas e logo definha.”
“De vez em quando, vai a casa, quando não estou, uma criada, que remove do meu quarto os resíduos da vida”
“Tens aqui lume. Tu como resistes nessa luta contra o cigarro?... Dizes que não é assim tão difícil desacostumarmo-nos?... Temos de nos render, face à nossa própria fraqueza, e, se precisamos de uma droga, convirá pagar o preço. Então, tudo se torna mais simples. Dizem-me: « Não és um herói.» E eu respondo: «É bem possível que não seja um herói, mas também não sou cobarde, porque tenho a coragem de viver as minhas paixões.»”
“ só se te entregares à leitura como a um duelo, como quem se mostra disposto a ferir e ser ferido, a convencer e ser convencido, e , depois, enriquecido com o que tirou dos livros, disso se serve para construir qualquer coisa na vida”
“ O que sentia, pois, quando revia a primeira (mulher)... empalidecia sempre um pouco. Porque, bem sabes, o corpo lembra-se, e para sempre, tal como o mar e a terra sabem que foram, outrora, a mesma coisa”
“já notaste que o amor, tal como a morte, tem um tempo que se não mede por relógio ou calendário?”
“devoro a felicidade que me dás. Não consigo saciar-me com tão doce felicidade... Não me envergonho de confessar que não poderei viver sem ti”
“ – O que é? – e levei a mão ao peito, indicando o coração. Sentia-me muito fraca. – O que tive? Nunca me senti assim...
Olhou-me com atenção. E disse:
- O corpo recorda.”
“Para ele, a única pátria era a língua húngara. (...) Pronunciava uma ou outra palavra húngara tirada do dicionário, olhava para o tecto, e largava a palavra, fazia-a planar, voar. borboleta... e foi atrás dela, como se a palavra fosse, na realidade, uma borboleta, que batia as asas diante de si na luz dourada...”
“ Em Roma, ouvi dizer que antigamente os romanos faziam cócegas na garganta com uma pena de pavão para vomitarem, deixando, assim, espaço no estômago para encherem com novos sabores. Hoje, a pena de pavão é a publicidade...”
“ a cultura é um acto reflexo”
Amor&Psyche
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