“ - Um dia destes dou à praia aqui, devorado pelos peixes como uma baleia morta – disse-me ele na rua da clínica olhando os prédios desbotados e tristes de Campolide”
“ Sentado nos teus ombros quase tocava os ramos dos castanheiros com a cabeça, aureolado de luz à maneira dos santos dos milagres, enquanto uma eternidade de fotografia me imobilizava o sorriso que encontro, tantos anos depois, no espelho do quarto, a troçar-me numa careta azeda.”
“ Percebia-se o ruído das máquinas de escrever do escritório, gente debruçada para as mesas, o desodorizante da secretária transformando o espaço livre, salas, paredes, corredores, num enorme sovaco depilado e morno: Já a comeste, velho?”
“ Um odor leve e adocicado evaporava-se das gavetas porque a tua água-de-colónia impregna tudo, até a ausência de ti quando te lembro.”
“ Uma ou duas vezes por semana, não sabia ao certo, procurava o psiquiatra para longos conciliábulos sibilinos. Vi-o uma ocasião: um tipo insignificante, amaricado, míope, de pasta no braço e sobretudo gasto: de que lhe falaria ela? Da infância nos Olivais, dos primeiros amores na Faculdade, bruscos e canhestros, da minha pessoa? E o que poderia aquele pateta marreco entender de mim? Pensa Se calhar traz na pasta o processo dela, o meu, desiludida história difícil e sem história da nossa relação.”
“ – Outro cigarro ? – diz a Marília, surpreendida – repara-me só na cor dos teus dedos.
O médico indiano exibe contra a janela uma radiografia do tórax:
- Cancro do pulmão – diagnostica ele – espino-celular aposto. Mais uns tempinhos a definhar e adeus minhas encomenda. Nessa altura o quarto da sua mãe já vai estar desinfectado e a cama vazia: pronta para si.”
“Os pássaros, explicava o pai encostado ao muro do poço da quinta, morrem muito devagar, sem motivo, sem se dar por isso, e um belo dia acordam de barriga para cima, de boca aberta, flutuando no vento.”
“Os campos sonâmbulos do Outono desdobravam-se, sem majestade, em pobres colinas redondas como crânios calvos: a Rua Azedo Gneco afastava-se deles com os seus livros, os seus retratos, os cartazes pregados na parede, o autoclismo eternamente avariado.”
“Pensa: Nunca me apetece voltar depois das aulas para casa, subir as escadas, meter a chave à porta, surges na moldura da cozinha a remexer qualquer coisa num tacho, Olá amor, eis os móveis do costume, os objectos do costume, a televisão acesa sem som e um tipo qualquer com olhos de robalo a perorar em silêncio lá dentro, Vou-me embora, adeus, ou fico , qual é a alternativa, ir para onde, serei mais feliz sozinho”
“Explica-me os pássaros. Assim, sem mais nada, explica-me os pássaros, um pedido embaraçoso para um homem de negócios. Mas tu sorriste e disseste-me que os ossos deles eram feitos de espuma de praia, que se alimentavam das migalhas do vento e que quando morriam flutuavam de costas no ar, de olhos fechados como as velhas na comunhão.”
“Em frente do prédio dele um grupo de garotos jogava a bola no alcatrão. Uma velha com um cão obeso e um livro de missa entrou na pastelaria vizinha para a torrada eucarística.”
“ Catano as vezes que escrevi o teu nome, com o indicador, nas janelas do Inverno, enquanto as letras escorriam para os caixilhos como se chorassem, lentamente pernaltas de uma espécie de lágrimas”
“Domingo era a chatice da desocupação, o quarto dos brinquedos resolvidos, o corpo a arrastar-se, maçado, pelos cantos. A mãe jogava as cartas com as amigas, na sala, num cintilação de pulseiras e de brincos, as bocas pintadas conversavam, como periquitos, de filhos, de criadas, dos empregos dos maridos.”
“O pai desliga sem responder, e eu fico com o telefone mudo encostado no ouvido, imóvel como uma concha sem mar. A voz aborrecida da rapariga do PBX pergunta:
- Pediu alguma chamada?”
“- Como é que se sente ? – perguntou numa voz derrotada, enquanto observava a mãe a pensar As lágrimas estão já do outro lado dos teus olhos, deslizam por dentro da cabeça, para a garganta, num ardor ácido de bagaço.”
“ – A única coisa que há para discutir – disse a Tucha – é a mesada das crianças, mais nada. Tenho ali uma proposta do meu advogado, vou-ta mostrar.
- Os pássaros – disse a Marília – que sabiam vocês dos pássaros?”
“Ao longo do corredor as paredes fitavam-no com ódio: Vais-te embora.”
“A mãe sorriu inesperadamente: a infância escorregou-lhe, lenta ao longo da boca, como a água num desnível de tábuas:
- Não te preocupes – disse ela – tratam tão bem de mim aqui.”
“Quando havia parentes o meu pai desdobrava o écran de tripé ao fundo da sala, montava o projector, apagava as luzes, um rectângulo branco surgia a tremer na tela, traços e cruzes vermelhas vibravam e dissolviam-se, um cone de luz onde o fumo dos cigarros se enrolava em volutas lentas sobre as nossas cabeças, e nisto o mar repleto de albatrozes, a forma afuselada dos corpos, os bicos pálidos abertos, os espanadores achatados das asas, dezenas, centenas, milhares de pássaros.”
“ – Prefere Letras – revelou a mãe – confessou-me a semana passada que queria estudar História. Fiquei banzada.
O pai deu um murro no bar Arte Nova, as garrafas e os copos saltaram:
- Letras? História? – (falava devagarinho numa surpresa imensa.) – Tens mesmo a certeza que esse parvo é meu filho?”
“Pensou fumar um cigarro, ler um livro, mas preferiu sentar-se no colchão para ver a manhã avançar palmo a palmo no sobrado, revelar os defeitos da madeira, as franjas do tapete, as pernas em arco, lascadas, dos móveis: o dia começa sempre por este desconforto físico, este estranho nascimento das coisas conhecidas, a tua cara desformada que dorme.”
“Os pássaros quando morrem – explicou o pai – flutuam de barriga para o ar no vento”
“Nunca me deixaste sequer revoltar-me, ir até ao fim das minhas zangas: a tua sombra enorme, tutelar e autoritária castrantemente protegia-me, e foi a partir daí que decidi ir para Letras.”
“ – Mal se lhe percebia o corpo – esclareceu o Carlos – comido pelos pássaros, pelo lodo da ria, pelo tempo que demoraram a encontrá-lo”
“Falava devagar, sem indignação nem zanga, mas eu cessara por completo de a escutar: achava-me ao colo do pai, sob o castanheiro do poço, numa tarde antiga que se não sumira nunca dentro dele a ouvir a explicação dos pássaros.”
“A sexta-feira instala-se, pensou ele a abrir o duche na casa de banho minúscula, e a observar o jorro que descia do tecto à laia de um cacho de filamentos de vidro que se abriam, se esmagavam no esmalte da banheira, se dirigiam para o ralo numa lentidão preguiçosa, e embaciavam a pouco e pouco o espelho, pensando Aposto que estendes agora a mão, às cegas, para a mesinha de cabeceira, à procura das pastilhas elásticas de morango.”
“Palavra de honra que a família acabou, palavra de honra que a Lapa acabou, nunca mais entramos sequer o portão daquela casa, e na claridade imprecisa de Lisboa, na claridade nevoenta de Aveiro, os teus olhos afiguraram-se-me tão tragicamente ocos de expressão como as órbitas de gesso dos defuntos.”
“Anunciaste Não quero filhos e tu sabias que eu sabia que o dizias por mim, pelo meu estúpido pavor do neto de um guarda-republicano de palito na boca, porque não conseguia despir-me do meu pai, da minha mãe, da terrina da Companhia das Índias em que me embalaram.”
“Na sala havia um álbum cheio de desenhos de homens nus com asas, de falcões com tronco de gente, de esquisitas misturas, como centauros, de pessoas e de pássaros: E se a mãe se levantasse agora de mesa, pensa, e começasse a voar, como um periquito aflito, sobre os pratos da sopa?”
“ – Vamos furar-lhes a barriga? – propôs o pai num riso cúmplice, a estender a manga para a faca de prata dos livros. – Se lhes rasgarmos a pança e virmos o que têm dentro, talvez consigas encontrar, percebes, essa célebre explicação dos pássaros.”
“ – Pronto – disse o pai segurando no insecto imóvel com as pontas dos dedos e transferindo-o para uma placa rugosa de cartolina. – Ei-lo definitivamente morto. Fácil, não é?”
“ – O facto é que era uma pessoa estranha com interesses esquisitos, com manias absurdas: Olhe, pouco antes de morrer, por exemplo, veio pedir-me que lhe explicasse os pássaros, como se os pássaros, não é, se pudessem explicar: nunca compreendi o que ele queria dizer com aquilo:
os pássaros, oiça lá, você entende?”
“So I offer Liam this picture: my two daughters running on the sandy rim of a stony beach, under a slow, turbulent sky, the shoulders of their coats shrugging behind them. Then I erase it. I close my eyes and roll with the sea’s loud static.
When I open them again, it is to call the girls back to the car”
“ when my grandmother walked in through the door. His baby eyes. His two black pupils, into which the double image of Ada Merriman walked and sat. She was wearing blue, or so I imagine it.
Her blue self settled in the grey folds of his brain, and it stayed there for the rest of his life”
“But this is 1925. A man. A woman. She must know what lies ahead of them now. She knows because she is beautiful. She knows because of all the things that have happened since. She knows because she is my Granny, and when she put her hand on my cheek
I felt the nearness of death and was comforted by it.”
“ I was opening the car door for the girls one day before Liam died and, as it swung past, I saw my reflection in the window. It disappeared, and I looked into the dark cave of the car as the kids came out, or went back in to pick some piece of pink plastic junk off the floor. Then the reflection swung back again, swiftly, as I shut the door. The sun was breaking through high-contrast clouds, the sky in the window pane was a wonderful, thick blue, and in my dark face moving past was the streak of a smile.
And I remember thinking, ‘So, I am happy. That’s nice to know’”
“If you ask me what my brother looked like after he was dead, I can tell you that he looked like Mantegna’s forshortened Christ, in paisley pijamas.
I was glad I had some practice in this whole business – the viewing business – because although I loved Charlie, it was with the easy, anxious love of a child, that is always ready to love someone new.”
“You might call it a crime of the flesh, but the flesh is long fallen away and I am not sure what hurt may linger in the bones”
“ Liam’s mottled purple while Charlie’s was clear, because his body had already forgotten that it was winter, in that cold house. There are photographs. There is the hint of my brother’s smile in my own mirror, a tone of voice I sometimes hit.
I do not think we remember our family in any real sense. We live in them, instead.”
“As I open the fridge, my mind is subject to jolts and lapses; the stair you miss as you fall asleep. I fell the future falling through the roof of my mind and when I look nothing is there. A rope. Something dangling in a bag, that I can not touch.”
“ I wait for the kind of sense that dawn makes, when you have not slept. I stay downstairs while the family breathes above me and I write it down, I lay them out in nice sentences, all my clean, white bones”
“That Christmas morning was as clean and crisp as it always is – my memory will not allow it to rain. But neither will it allow us home.”
“They had a story, Ada and Charlie, in which they each played the most important roles, and when she walked across the room to him, you could tell how fated they felt, as if their love was a great burden to them as well as a joy”
“I do not know why Ada married Charlie when it was Nugent who had her measure. And though you could say that she did not marry Nugent because she did not like him, that is not really enough.
We do not always like the people we love – we do not always have that choice.”
“Receio a morte?... No domingo em que Lajos veio ver-me pela última vez curei do medo de morrer.”
“ (…) estamos ligados aos nossos inimigos, e também eles não podem fugir de nós.”
“ Começo a acreditar que as grandes decisões fatais, que determinam o nosso destino, são muito menos conscientes do que, mais tarde, supomos, num olhar ao passado, em hora de rememoração.”
“Eu, ao tempo não via Lajos há vinte anos e julgava estar couraçada contra as recordações.”
“ – Lajos está de volta!”
“Nunu julgava saber tudo sobre mim. Talvez conhecesse, de facto, a verdade, essa verdade simples e definitiva que na vida velamos com tantos farrapos”
“Que mais poderia fazer? Ele foi o único homem que amei na minha vida.”
“Na noite em que esperávamos Lajos – eu sabia que o veria pela última vez na minha vida – demorei a adormecer: (…) e, antes do sono, li as velhas cartas de Lajos.”
“Nunu é a parente que, em casa, assumiu o papel de todos os parentes. Chegou há trinta e cinco anos (…). E aqui ficou (…).”
“Quando Vilma morreu, Lajos deu-me essa jóia, o anel da minha avó.”
“Tudo o que ele toca torna-se falso.”
“ quando Vilma morreu e se deu a ruptura entre nós, Lajos afastou-se do horizonte familiar. Então, regressei eu aqui, a esta casa e meu último refúgio. Nada me esperava, excepto uma cama e um pão seco. Mas quem chega de uma tormenta é feliz, pois tem um tecto por cima da cabeça.”
“ (…) a minha vida foi, efectivamente, «perigosa», próxima da de Lajos. (…) esse perigo era o único e verdadeiro sentido da minha vida.”
“Todos pertencíamos a ele, vivíamos em aliança contra ele, e, agora que se aproxima, outra vez vivemos de maneira mais agitada, mais perigosa”
“Lajos chegara e começava o dia (…) chegou com um verdadeiro séquito.”
“Quando alguém emerge do passado para anunciar, em voz comovida, que quer pôr «tudo» em ordem, só podemos lamentar e sorrir das suas intenções; o tempo já tudo «pôs em ordem», à sua maneira, da única maneira possível.”
“Eszter, preciso de falar contigo uma última vez na vida.”
“ «Vai perguntar-me, agora », pensei, «meu Deus, vai perguntar-me agora ». O quê? Talvez porque fui cobarde? Não, agora tenho de responder!» Respirei profundamente, e olhei-o, pronta a responder.
- Diz-me, Eszter – perguntava, agora, em tom íntimo e sereno -, esta casa está hipotecada?”
“Não devias ter ido embora Eszter. Claro que não era fácil estar ao lado do meu pai. Mas devias saber que só tu poderias ajudá-lo.”
“- Que cartas? – perguntei, surpreendida.
- As cartas, Eszter – disse, mais animada. – As cartas do pai (…)”
“ -Estiveram sempre ali na cómoda (…) sabes, na caixinha de pau-rosa.”
“Escreveu que esperava uma resposta tua até ao amanhecer.”
“Agora quando Éva falou dessas cartas desconhecidas, em tom apaixonado e acusador, lembrava-me subitamente da caixa de pau-rosa.(…) ofereceu-ma Lajos (…).”
“Vilma suplicara a caixa e eu dera-lha a contragosto, mas sem particular resistência (…).”
“- O pai disse que guardas a minha herança. A única coisa que ficou da minha mãe. Restitui-me o anel, Eszter. Agora, já. O anel ouviste?”
“- Limites! Limites interiores! Mas se a vida é ilimitada! Vê se compreendes.”
“Nunca fui eu a decidir as minhas acções. Afinal o homem só é responsável pelas suas intenções…A acção, o que é? É sempre uma espécie de surpresa arbitrária.”
“Uma mulher não pode ser toda a vida ama-seca da moral.”
“Agora já não faz sentido dizer-te estas coisas…mas talvez tenhas razão, não se pode estar calado uma vida inteira.”
“A lei do mundo dita que se deve terminar o que alguma vez se começou.”
“Nada chega a tempo, nunca a vida te deu nada, quando precisavas.”
“Sofremos longamente por essa desordem, por esse atraso.”
“Mas, um dia, percebemos que uma ordem maravilhosa e perfeita habitava em tudo…que duas pessoas não podem encontrar-se um dia antes, mas só quando estiverem maduras para esse encontro.”
“ O tempo tudo queima em nós, todas as mentiras”
“Resta que estás ligada a mim, que em vão fugiste (…)”
“Ali ficámos, esperando que a vela ardesse até ao fim, ou que se suspendesse o vento(…)”
“ (…) – Estou muito cansada. Tudo isto foi demasiado, como sabes. Gostaria de dormir. Nunu, minha querida, lê-me estas três cartas.”
“Então extinguiu-se a chama da vela. É a última coisa de que me lembro.”
“Pecado não é só o mal que cometemos. Pecado é também o que desejaríamos, mas que não temos forças para levar a cabo”
“O ar era doce e cheiroso, como se, algures tivessem deixado aberto um enorme frasco de compota”
“Nessa época, o mundo ainda não era feito a regua e esquadro, e , por um breve instante, tudo resplendia sob uma luz vivíssima, a Europa, a vida”
“Calou-se, longamente, reflectindo. Acendeu cigarros atrás de cigarros. Ao tempo, ele fumava cigarros ingleses, um tabaco opiáceo, cujo fumo me dava leves vertigens. Mas também esse cheiro fazia parte dele, como a fragrância de feno no armário da roupa, porque era assim que gostava, que a sua roupa cheirasse sempre a essa rude fragrância de feno inglesa.
De que pormenores se constrói um homem!”
“Sentei-me no jardim, o chá que resfriava, brilhava o sol. Já inquietas, grulhavam as aves. A Primavera chegava. Ocorreu-me que Lázár não gostava da Primavera, dizia ele que esta estação, cheia de eflúvios e fermentos, aumenta a acidez gástrica e compromete o equilíbrio da razão e das emoções... Era o que ele dizia. E, de súbito, veio-me à cabeça tudo sobre que falámos na noite anterior, há algumas horas, ao som da música e da fonte, rodeados pelo luxo arrogante daquela casa rica e álgida, imersos na tórrida fragrância do jardim de Inverno.
E, agora, rememorava tudo, como se o tivesse lido em qualquer lado.”
“ Fez tudo para aguentar. Você não imagina a coragem com que esse homem viveu os últimos anos. Teria sido possível vencer montanhas com a força com que ele quis sufocar tal recordação. Julgo saber bem tudo isso. Maravilhava-me, às vezes. Intentou a tarefa mais difícil que um ser humano pode empreender na vida. Sabe o que fez? Buscou substituir o sentimento pela razão.
É como se eu dissesse que alguém tentara convencer, com palavras e argumentos, um pedaço de dinamite a não explodir.”
“ De súbito, entrevê-se a estrutura da vida: figura que julgávamos importantes desaparecem pelo alçapão e, lá do fundo, emergem outras das quais, até então, nada sabíamos, e, subitamente, ao vê-las, apercebemo-nos de que as esperávamos, e que elas nos esperavam,
num destino comum...”
“ Assim ardia eu, como quando se deita, inadvertidamente, um fósforo aceso em sossegada casa de família.”
“ Sabes que os chapéus e lenços dos mortos envelhecem muito depressa, a partir do momento em que morre quem usava esses objectos... perdem a cor, como as folhas que caem das árvores perdem a cor da vida e o seu verde brilhante empalidece subitamente... Pelos vistos, cada homem é atravessado por uma corrente que se transmite a tudo o que lhe pertence, tal como a luz solar irradia sobre o mundo”
“Um engano maravilhoso, de que emerge tanto sofrimento, mas igualmente, esplendor: feitos heróicos, obras de arte, maravilhas do engenho humano. Tu, agora, vives nesse estado de espírito, sei. Apesar disso, queres que te conte?”
“um corpo, um só capaz de responder em perfeita harmonia a outro corpo, dissolvendo a sede do desejo e a náusea da insatisfação numa espécie de amena serenidade”
“ Concentrava-me toda num homem, sem tempo para me ocupar da humanidade. Depois, perdi esse homem e, em troca, recebi a humanidade. Julgas que se trata de uma troca pouco vantajosa?...
Não sei. Pode ser que tenhas razão.”
“Viste tu harmonia e paz?... Alguma vez, no Perú? Diz... Bem, é possível, talvez no Peru... Mas, aqui, em latitudes temperadas, esta flor maravilhosa não consegue eclodir.
Por vezes, distende as pétalas e logo definha.”
“De vez em quando, vai a casa, quando não estou, uma criada, que remove do meu quarto os resíduos da vida”
“Tens aqui lume. Tu como resistes nessa luta contra o cigarro?... Dizes que não é assim tão difícil desacostumarmo-nos?... Temos de nos render, face à nossa própria fraqueza, e, se precisamos de uma droga, convirá pagar o preço. Então, tudo se torna mais simples. Dizem-me: « Não és um herói.» E eu respondo: «É bem possível que não seja um herói, mas também não sou cobarde, porque tenho a coragem de viver as minhas paixões.»”
“ só se te entregares à leitura como a um duelo, como quem se mostra disposto a ferir e ser ferido, a convencer e ser convencido, e , depois, enriquecido com o que tirou dos livros, disso se serve para construir qualquer coisa na vida”
“ O que sentia, pois, quando revia a primeira (mulher)... empalidecia sempre um pouco. Porque, bem sabes, o corpo lembra-se, e para sempre, tal como o mar e a terra sabem que foram, outrora, a mesma coisa”
“já notaste que o amor, tal como a morte, tem um tempo que se não mede por relógio ou calendário?”
“devoro a felicidade que me dás. Não consigo saciar-me com tão doce felicidade... Não me envergonho de confessar que não poderei viver sem ti”
“ – O que é? – e levei a mão ao peito, indicando o coração. Sentia-me muito fraca. – O que tive? Nunca me senti assim...
Olhou-me com atenção. E disse:
- O corpo recorda.”
“Para ele, a única pátria era a língua húngara. (...) Pronunciava uma ou outra palavra húngara tirada do dicionário, olhava para o tecto, e largava a palavra, fazia-a planar, voar. borboleta... e foi atrás dela, como se a palavra fosse, na realidade, uma borboleta, que batia as asas diante de si na luz dourada...”
“ Em Roma, ouvi dizer que antigamente os romanos faziam cócegas na garganta com uma pena de pavão para vomitarem, deixando, assim, espaço no estômago para encherem com novos sabores. Hoje, a pena de pavão é a publicidade...”
“ a cultura é um acto reflexo”
Amor&Psyche
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